DA VAGA DE SALA - Especial DOCLISBOA

Stéphane Pires • 23 de outubro de 2023

'Areia, Lodo e Mar', de Amílcar Lyra: a dura e salgada vida na Culatra


É numa autêntica visita guiada à(s) vida(s) da Ilha da Culatra, pouco tempo depois do 25 de Abril, que Amílcar Lyra nos faz embarcar em 'Areia, Lodo e Mar' (1977), recuperado para visionamento esta noite de segunda-feira no Auditório Emílio Rui Vilar, na Culturgest, em mais um dia do Doclisboa. Cerca de 1000 pessoas viviam naquela ilha algarvia por aquela altura, todos trabalhavam, até porque ali se o povo não trabalhasse não comia, dizia um dos velhos anciões com quem se fez conversa.


Do mar vinha tudo para aquelas gentes, do mar e das redes de pesca, redes que a câmara vai buscar aos pés do velho pescador que nos introduz a Culatra na praia, redes essas que trazem o peixe fresco para as mãos dos pescadores, nos barcos a motor ou a remo, sozinhos, em casais, ou em família, mãos aquelas que soltam o peixe da rede e que o apertam, dali já não escapa, mesmo os mais escorregadios como o polvo, mas essas mãos, velhas e novas, também têm de coser e remendar as redes frequentemente, porque o sal e os peixes são inimigos delas, o sal daquelas águas que têm iodo que dá saúde às gentes da Culatra, pelo que por ali não há doenças infeciosas, acreditam os homens da Ilha.


Quando o mar dá folga aos pescadores, é nos cafés, entre copos e os míticos SG Gigante, que a malta se entretém; os rostos queimados pelo sol em alto mar agora são bem visíveis com a lente encostada às caras na mesa do café, onde de forma desprendida o pescador mais eloquente fala de uma vida melhor que agora têm, do tijolo que substituiu o junco nas casas, do negócio da amêijoa a crescer, e nós vemos as mulheres e as crianças debruçadas em busca deste bivalve num plano geral captado pela câmara a partir de um barco na água; e foi na água, saltitando de barco em barco, a flutuar, que nos é mostrada toda a pescaria.


E se na pesca as mãos e o seu trabalho valem ouro, quando toca à fé são os pés que mais trabalham para garantir passos certos e sem solavancos, pelo areal a fora, no carregar dos andores da procissão que segue ao ritmo da banda filarmónica.


Notável a simbiose entre conversas e imagens que Amílcar Lyra alcança e transmite, colocando a câmara ao nosso serviço, como que nos dando a mão ao longo de toda a visita à Ilha (da Culatra).

'Areia, Lodo e Mar', de Amílcar Lyra (1977)

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